sexta-feira, 27 de maio de 2011

"BRASIL PRECISA REVER LEGISLAÇÃO SOBRE DROGAS"

"Houve significativo crescimento no número de presos condenados por crimes relacionados às drogas no período de 2005 a 2010 no Brasil - de 31.520 em 2005 para 100.648 em 2010. Faltam critérios objetivos para definir o usuário de drogas na legislação brasileira", afirmou a diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber, em mais um Centro de Estudos da ENSP, realizado nessa quarta-feira (25/5), no salão internacional da Escola. Com o tema Subsídios para uma nova política de drogas: consumo de crack e saúde pública, a atividade contou ainda com a participação do pesquisador da Fiocruz, Francisco Inácio Bastos, e da coordenadora psicossocial da ONG Viva Rio, Fabiana Lustosa Gaspar, que debateram os desafios no enfrentamento do consumo e venda do crack no Brasil. Os convidados trouxeram suas experiências profissionais sobre o tema e apontaram conceitos e ações para a construção de uma nova política de drogas para o país. Dando início à atividade coordenada pela pesquisadora da ENSP Monica Malta, o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) Francisco Inácio Bastos abordou a ótica dos estudos realizados sobre drogas. Na apresentação Drogas: métodos e achados preliminares de uma questão complexa, o pesquisador citou o estudo Putting Respondent-Driven Sampling on the Map: Insights from Rio de Janeiro, Brazil, que mapeou a situação do uso de drogas no país. Segundo ele, as conclusões do estudo apontaram que quase um quarto dos entrevistados não tem endereço fixo localizável, diferente dos achados do estudo utilizando a mesma estratégia de captura de informações e usuários de um ambulatório para tratamento do abuso de drogas.

Para o pesquisador, existem ainda outros métodos para capturar informações não capturáveis, como pesquisas clássicas com populações cativas e inquéritos domiciliares, além do uso das redes sociais na sociedade atual. De acordo com Inácio, "o consumo é, por definição, uma rede de distribuição, aquisição e consumo. Usuários, mesmo os mais isolados e estigmatizados, interagem com redes da sociedade em geral", explicou. Em seguida, o professor abordou a questão econômica com relação à venda e uso do crack. "Na verdade, por que os preços do crack têm declinado ao invés de sofrerem incremento se a procura é cada vez maior?" indagou o pesquisador.

Segundo ele, os preços sobem em função da pressão sobre a oferta, que se torna mais escassa (apreensões, combate à lavagem de dinheiro). Subindo os preços, a disponibilidade cai até certo ponto. A partir de um sobrecusto expressivo, é difícil definir a prioridade e vale a pena abrir novos mercados, redefinir os produtos ou mudar de atividade criminal. "O mercado das drogas é atacadista e varejista ao mesmo tempo; nele, os produtos são interconversíveis, o grande tráfico é complementado pelas redes informais/semiartesanais, e o custo unitário é muito baixo. Portanto, apreensões tópicas têm efeito de demonstração, mas quase nenhum impacto econômico", afirmou.

Experiências e ações efetivas para o enfrentamento das drogas

A coordenadora psicossocial da Organização Não Governamental Viva Rio/Viva Comunidade, Fabiana Lustosa Gaspar, apresentou as experiências e ações efetivas da ONG, fundada em dezembro de 1993 por representantes de vários setores da sociedade civil como resposta à crescente violência no Rio de Janeiro. A coordenadora apontou a missão da Viva Rio e os eixos temáticos de trabalho, entre eles: saúde, segurança, educação e meio ambiente, além do eixo temático sobre drogas, que inclui uma política de drogas da Comissão Brasileira de Drogas e Democracia e a discussão da política de segurança.

Em seguida, a coordenadora apontou a saúde da família como uma grande estratégia da ONG para chegar aos usuários de droga. "A Saúde da Família, por contar com o Agente Comunitário de Saúde que visita mensalmente um grupo de pessoas de uma determinada área, proporciona que os sujeitos e famílias que estão em maior risco sejam atendidos, acompanhados. Dentre estas pessoas podemos citar as que não vão às consultas, as vítimas de violência e as que fazem uso prejudicial de drogas. As equipes de saúde da família têm identificado rotineiramente o uso de álcool e outras drogas como um grande problema a ser abordado no território. Porém, encontram-se, muitas vezes, limitados e sem instrumentos que os auxiliem nesta abordagem", afirmou.


De acordo com Fabiana, em resposta às dificuldades encontradas pelos ACS em lidar com os problemas das drogas com os pacientes, foram realizadas algumas medidas e atividades para facilitar este fluxo, tais como o Seminário Crack - repensando as Estratégias de Atenção à Saúde, que teve como objetivo construir um documento com diretrizes para o trabalho, com atenção ao usuário de álcool e outras drogas, além da Cartilha de Redução de Danos voltada aos Agentes Comunitários de Saúde, folders explicativos (o que é, efeitos, perigos e passos para uma atitude saudável), capacitação dos Agentes Comunitários de Saúde e protocolo clínico para a equipe médica da Saúde da Família.
Dando fim à atividade, a diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC/Ucam), Julita Lemgruber, revelou o número de homens e mulheres sob supervisão do Sistema de Justiça Criminal no Brasil no ano de 2009. Segundo ela, existiam 473.626 presos entre homens e mulheres em 2009 no país, além de 671.078 indivíduos cumprindo pena ou medidas alternativas. Ainda de acordo com a diretora, cada um dos 473.626 presos custa entre R$ 1.800,00 a R$ 3.300,00 mensais ao governo. Julita revelou também o crescimento da população prisional no Brasil de 1995 a 2010. Em 1995, havia cerca de 48.760 presos; em 2010, o número subiu para 494.237, cerca de 250% a mais em quinze anos. O Brasil hoje ocupa a 47ª posição no ranking das maiores populações prisionais do mundo; os Estados Unidos ocupa a primeira posição com 2.292.133 presos.

Julita abordou ainda um estudo realizado em 2004 por uma médica sanitarista da Fiocruz que visitou a unidade Polinter Centro, atualmente desativada, para elaborar o risco sanitário. "A condição dos detentos desta instituição é de privação máxima: amontoamento, ausência de ar promiscuidade, mau cheiro, inexistência de qualquer privacidade, desconforto radical. Pode-se afirmar que estes presos estão vivendo uma situação de tortura física e mental. A intensidade da miséria humana imposta a esses detentos é inominável e indescritível", constatou a médica. Segundo a diretora, houve crescimento significativo no número de presos condenados por crimes relacionados às drogas no período de 2005 a 2010 - de 31.520 em 2005 para 100.648 em 2010.

Por fim, Julita citou alguns dados sobre os condenados por tráfico de drogas no Rio de Janeiro no período de outubro de 2006 a maio de 2008. Segundo a pesquisa, 66,4% são primários; 91,9% foram presos em flagrante; 60,8% foram presos sozinhos; 65,4% respondem somente por tráfico (sem associação ou quadrilha); 15,8% estão em concurso com associação e 14,1% estão em concurso com posse de arma. A diretora afirmou que faltam critérios objetivos para definir o usuário de drogas na legislação brasileira. O art. 28, parágrafo 2º, diz que: Para determinar se a droga destina-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade de substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Julita encerrou sua fala levantando algumas questões - das quais ela compartilha da mesma opinião - apontadas pelo juiz federal de Nova Iorque, Robert Sweet, em entrevista ao jornal O Globo, de janeiro de 2009. "O uso de drogas é questão de saúde pública. Substâncias que alteram o comportamento da mente fazem parte da vida moderna e todas devem ser controladas como o álcool. A abordagem punitiva é um método mais fácil - varre-se o problema para debaixo do tapete. A guerra às drogas vem custando bilhões de dólares por ano aos Estados Unidos e é um fracasso do ponto de vista do custo-benefício. Os cidadãos devem ter direito a tomar decisões em suas vidas privadas desde que não causem dano a outros. O usuário de drogas que provocar danos a outros deve sofrer sanções criminais", finalizou.

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