quarta-feira, 27 de abril de 2011

"DOR DE CABEÇA..."



"É hora de fugir delas. Investigamos algumas situações do dia a dia capazes de despertar esse tormento. Preste atenção: o motivo pode estar onde você menos imagina"

por Diogo Sponchiato

Ah, dor de cabeça, atire o primeiro analgésico quem nunca a experimentou na vida. É um transtorno tão comum que decidimos pegar emprestado o termo para apelidar qualquer entrave do cotidiano. E, a exemplo dos perrengues que enfrentamos em casa ou no trabalho, as cefaleias — esse é o seu nome de batismo científico — são também um problema frequente. Entre 70 e 95% dos seres humanos registrarão pelo menos um episódio em sua biografia.

Um estudo realizado recentemente pela Sociedade Mineira de Cefaleia revela, após entrevistar mais de 900 funcionários de três empresas de Belo Horizonte, que quase 74% deles tiveram dores de cabeça nos últimos 12 meses. “O impacto é ainda maior sobre as mulheres. Três quartos delas apresentavam dores em níveis moderado e alto”, conta o neurologista Ariovaldo Silva Júnior, presidente da entidade e um dos responsáveis pelo trabalho. “O estresse e as oscilações hormonais podem justificar esses dados”.

Há mais de 150 tipos de dor de cabeça. Cerca de 20% das mulheres e 8% dos homens padecem de enxaqueca e quase 20% da população é vitimada pela dor tensional.

As cefaleias são divididas em primárias e secundárias. No segundo grupo, estão as deflagradas por gripes, sinusites, aneurismas… “Entre as primárias, as principais são a enxaqueca e a do tipo tensional”, diz o neurologista Deusvenir de Souza Carvalho, da Universidade Federal de São Paulo. São elas as versões geralmente desencadeadas pelos fatores que apresentaremos a seguir. Nem sempre, porém, dá para culpar um chocolate pelo martírio. “O indivíduo com propensão para o problema crônico sofre muitas vezes de crises independentes de gatilhos”, avisa o neurologista Getúlio Rabello, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Daí por que as dores merecem ser averiguadas com o apoio de um especialista.

1- Estresse:
O arqui-inimigo da vida moderna não faltaria a uma reunião dos gatilhos de cefaleia. Para quem tem enxaqueca ou dor do tipo tensional, algumas horas no trânsito ou a correria do escritório podem ser fatais. A enxaqueca, cuja crise dura de quatro a 72 horas, se destaca por uma dor pulsante, mais intensa em um lado do crânio e acompanhada por náuseas e sensibilidade a luz e barulho. Já a do tipo tensional surpreende os dois lados da cabeça, sem apertar tanto e durando de 30 minutos a sete dias. Ambas têm, provavelmente, origem genética e são provocadas por erros de interpretação das áreas do cérebro que gerenciam a dor. É como se um estresse físico ou emocional fosse recebido com exagero e, em resposta, detonasse o tormento. “Na enxaqueca, esse estímulo provoca inflamação e dilatação das artérias da meninge, as membranas que recobrem o cérebro”, explica o neurologista Abouch Krymchantowski, diretor do Centro de Avaliação e Tratamento da Dor de Cabeça do Rio de Janeiro. Somado a alterações bioquímicas, esse fenômeno acorda a dor. Para escapar do alvoroço na massa cinzenta, busque manejar a tensão diária: em vez do carro, prefira o metrô, medite, brinque com os filhos, dedique-se a um passatempo…

2- Alimentos e temperos:
Uma noite de queijos e vinhos pode resultar em uma madrugada com muita dor de cabeça. Essa dupla é capaz de acionar uma crise em quem já convive com enxaqueca. “Os queijos fornecem substâncias que interferem na química cerebral”, diz Deusvenir Carvalho. A principal delas é a tiramina, que dá as caras quando as proteínas do alimento são quebradas. Ela teria a audácia de incrementar a dilatação dos vasos cerebrais, uma das condições que respondem pela dor. Quanto mais velho o queijo for, mais tiramina ele costuma oferecer. Ninguém está pedindo para abolir o parmesão ou o provolone depois de uma única crise. “Para culparmos o alimento, ele precisa deflagrar o problema de forma repetitiva”, orienta Getúlio Rabello. Outros petiscos são famosos por desencadear enxaquecas, como o chocolate, dono de moléculas que promovem alterações químicas no cérebro, além de frios e embutidos, que carregam nitritos e nitratos, substâncias nocivas que estimulam a dilatação dos vasos. Entre os temperos, cuidado com o molho à base de soja. “Ele contém glutamato monossódico, que também é vasodilatador”, avisa Marco Antônio Arruda. A mensagem é ficar de olho no cardápio e, se detectado o alimento- gatilho, maneirar na porção ou manter distância dele. Do contrário, o banquete está liberado.

3- Bebidas:
Nós afirmamos que a aliança entre queijos e vinhos pode ser perigosa, certo? Mas, justiça seja feita, não dá para condenar apenas o derivado do leite. O vinho tinto também oferece moléculas que, como a tiramina, alargam o calibre dos vasos no cérebro. Para piorar ainda mais a vida de alguns enxaquecosos, o néctar de Baco é composto de álcool, outro potente vasodilatador — por isso, há quem sofra também bebericando uísque ou cerveja. “Não é que todo mundo com enxaqueca terá uma crise ao tomar um copo, mas, para alguns predispostos, a dor aparece quando a bebida começa a ser absorvida”, conta Arruda. Ou seja, o suplício pode iniciar à mesa. Não confunda essa dor de cabeça com aquela que escolta a ressaca do dia seguinte. “Nesse caso, o desconforto é resultado da desidratação e da quebra do álcool dentro do corpo”, explica o neurologista Eduardo Mutarelli, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.


4- Abuso de remédios:
O tiro saiu pela culatra — talvez seja essa a melhor expressão para definir os riscos de quem se entope de analgésicos com o objetivo de se livrar de dores de cabeça recorrentes. É claro que, em meio a um episódio esporádico, recorrer a um comprimido pode ser o jeito mais rápido e eficaz de silenciar o desconforto. Mas quando o problema é habitual… “Quase dois terços das pessoas com cefaleias diárias abusam desse tipo de remédio”, estima Ariovaldo Silva Júnior, que atua no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. “E exagerar nesses medicamentos só ajuda a torná-las crônicas”, alerta. É o que chamamos de efeito rebote, porque o cérebro deixa de ser suscetível à droga. “Além disso, alguns analgésicos são prejudiciais a outros órgãos, como o fígado”, lembra Silva Júnior. Nessas situações, não se iluda com a automedicação. Visite um neurologista para apurar o problema. Só ele deve prescrever os remédios que previnem ou aplacam as crises.

5- Odores intensos:
A cena é clássica. Você está em um elevador e, mal a porta se abre, entra no recinto alguém com um perfume, digamos, bem forte. Minutos depois, o indivíduo vai embora, mas deixa inoculada em seu nariz aquela fragrância persistente. Na cabeça, é como se o cheiro irritante se transformasse em dor. É óbvio que, quando o assunto envolve neurociência, os fenômenos não ocorrem com essa simplicidade. Sabe-se que portadores de enxaquecas lideram o grupo dos que mais sofrem na presença de odores intensos, mas os especialistas ainda não desvendaram por que eles ativam os mecanismos da dor. “Há uma especulação de que áreas do cérebro ligadas à percepção sensorial estejam conectadas à região de controle da dor”, conta Abouch Krymchantowski. Para prevenir as crises, tente se desvencilhar de pessoas ou ambientes cheios de perfume e escapar de locais com cheiro de tinta fresca ou produtos de limpeza. E o cigarro? Suas baforadas botam fogo no transtorno? Embora muita gente relate que sim, ainda não existem estudos que comprovem o papel da nicotina ou de outras substâncias da fumaça como desencadeantes da dor. Pessoas com enxaqueca são as mais suscetíveis a encarar dores de cabeça acionadas por cheiros mais fortes. Há quem necessite abdicar, inclusive, do próprio perfume.

6- Mudanças de temperatura:
O sobe e desce dos termômetros reverbera dentro do organismo, que passa por uma espécie de estresse para retomar o equilíbrio. Não por menos, variações bruscas de temperatura podem puxar o gatilho da dor, sobretudo se o clima esquentar para valer — o calor pode perturbar um cérebro naturalmente mais sensível à sensação dolorosa. “Há pesquisas mostrando que indivíduos com enxaqueca submetidos a banhos muito quentes de ofurô sentem dores quando ficam dentro dessa banheira”, conta Marco Antônio Arruda. “É provável que temperaturas muito altas estimulem a vasodilatação no cérebro,propiciando a dor”, diz. Por isso, algumas pessoas propensas podem enfrentar o suplício em um dia assolado por um calor de rachar. Além do clima, a altitude também eleva o risco das dores — tem gente que é obrigado a suportá-las dentro de avião. “Em lugares mais altos, como os Andes, há uma diminuição no nível de oxigênio que pode predispor o problema”, afirma Deusvenir Carvalho. Outro gatilho é o excesso de luz. Ambientes repletos de lâmpadas ou o mero reflexo do sol na piscina podem disparar a dor em quem tem enxaqueca. Aliás, no meio de uma crise, os focos luminosos só pioram a situação — é a fotofobia.

7- Laços, tiaras e chapéus:
Um aviso às mulheres que adoram arcos e rabos de cavalo e aos homens que não saem de casa sem vestir o boné ou o chapéu: cuidado com o que vocês colocam na cabeça. Pois é, tudo o que comprime a musculatura do crânio pode repercutir lá dentro e facilitar o aparecimento de uma dor — para variar, indivíduos com enxaquecas e cefaleias do tipo tensional são os principais candidatos à chateação. O neurologista carioca Abouch Krymchantowski acaba de esmiuçar, em um estudo, o impacto do uso de capacetes sobre a incidência de dores de cabeça em policiais militares do Rio de Janeiro. “Não é que o acessório seja sua causa, mas, em alguns participantes, notamos que ele contribui para a dor”, afirma. Nem é preciso portar algo tão duro para sofrer essa represália. Tiaras, laços e presilhas, assim como bonés muito apertados, podem motivar o transtorno. A mensagem é prestar atenção para flagrar associações entre os episódios dolorosos e os dias em que os cabelos ficaram sob pressão. Em caso positivo, será melhor deixar as madeixas livres, descobertas e soltas.

8- Esforço físico:
A academia é sempre bemvinda, mas vale evitar fazer parte da turma que pega mais pesado do que deveria. Uns sobrecarregam nos halteres, outros se excedem nas esteiras e nas bicicletas. E a prova do abuso está nos rostos vermelhos, com veias saltadas. A verdade é que ultrapassar os limites do corpo não só aumenta a probabilidade de lesões musculares como ainda é capaz de provocar dores de cabeça. É a cefaleia de esforço, que ainda tem uma variante, a do halterofilista. Em indivíduos com propensão a elas, a carga ou o tempo de atividade propiciam alterações nos vasos cerebrais e enviam um sinal à massa cinzenta de que o gerenciador da dor já deve tocar o alarme. Quem não quiser presenciar esse martírio deve simplesmente respeitar o organismo. Afinal, quando praticada regularmente, a atividade física tem o poder de calar boa parte dos episódios recorrentes de dor de cabeça. Um estudo conduzido pelas universidades federais de São Paulo e Santa Catarina indica que suar a camisa é excelente para controlar as cefaleias crônicas. “Os exercícios aeróbicos, como caminhada e corrida, são um dos melhores remédios”, declara Abouch Krymchantowski.

9- Má postura:
Vamos dar três situações e você deverá julgar qual é a mais danosa a quem costuma ser atacado por dores de cabeça. 1) Um rapaz que trabalha quase corcunda na frente do computador; 2) Um senhor que lê o jornal todo torto no sofá; 3) Uma moça que dorme completamente encolhida. A resposta correta, muito fácil, é que as três cenas representam um atentado em indivíduos com cefaleia, principalmente a do tipo tensional. “Posturas inadequadas no trabalho ou durante o sono podem favorecer as crises porque afetam a musculatura”, diz o neurologista Getúlio Rabello, que coordena o Ambulatório de Cefaleia do Hospital das Clínicas paulistano. Em outras palavras, a sobrecarga nas regiões lombar e cervical reflete nos músculos da cabeça a ponto de acender, dentro do crânio, a faísca do desconforto. Corrigir o jeito de se sentar e de se deitar, respeitando as leis da ergonomia, ajuda a deixar a cachola em paz.

SEXO FRÁGIL

As mulheres são o alvo predileto das dores de cabeça. Quando já apresentam uma enxaqueca ou o tipo tensional, então, as crises são facilmente disparadas, sobretudo na idade fértil. “Na infância, a prevalência de enxaqueca entre meninas e meninos acontece na proporção de 1 para 1, enquanto na vida adulta essa relação fica de 4 para 1”, compara o neurologista Marco Antônio Arruda, diretor do Instituto Glia, em Ribeirão Preto, no interior paulista. A explicação está nas variações hormonais do ciclo menstrual. “As dores ficam mais concentradas dois dias antes e depois da menstruação”, aponta Ariovaldo Silva Júnior.

A DOR DO JEJUM

Quem pula refeições ou faz dietas rigorosas corre o risco de deparar com uma cefaleia. “Quando se está em jejum, cai a concentração de glicose no sangue, o que pode repercutir no cérebro”, diz Arruda. Como a massa cinzenta consome muita energia, o esgotamento do açúcar provoca um desequilíbrio por trás do incômodo.

CAFEÍNA: HEROÍNA OU VILÁ?

É difícil rotular a prestigiada substância do café quando se discutem seus benefícios e malefícios no terreno das cefaleias. Existem pessoas que reclamam de dor se exageram no pretinho e outras que, tão acostumadas ao seu sabor, sentem indisposição na falta dele. “Meu conselho é tomar no máximo três xícaras por dia”, diz Mutarelli. Se você é bom observador, terá notado que a cafeína também é conjugada a diversos analgésicos para aliviar as crises. “Isso porque ela ajuda a controlar a dilatação dos vasos no cérebro”, justifica o especialista.

SONO EM DOSE CERTA
 
Dormir bem não só afasta doenças como também é crucial para boicotar crises de cefaleia. Por isso, é importante regrar o ritmo das noites de descanso. “Tanto a privação quanto o excesso de sono podem deflagrar dores de cabeça”, avisa Rabello. Infelizmente, alguns azarados não devem se dar ao luxo de estender as horas na cama no final de semana.

DOR DE CABEÇA SEXUAL?

Sim, ela também existe. Para complicar a vida do casal, há duas versões de cefaleia que eclodem justamente na hora agá. O primeiro tipo ocorre durante a excitação. “O indivíduo sente uma pressão principalmente na região do pescoço”, descreve Krymchantowski. Já o segundo é a dor de cabeça orgasmática, que, como a classificação anuncia, aparece na iminência ou logo depois do orgasmo. “É uma sensação dolorosa explosiva, por vezes incapacitante”, afirma o neurologista. Felizmente, esses transtornos são mais raros — acometem em especial algumas pessoas com enxaqueca. E, em nome de uma atividade sexual prazerosa e saudável, devem ser acompanhados — e remediados — por um médico.

Fonte: Revista Saúde é Vital

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